terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Grindhouse

Uma das melhores surpresas de 2007, "Grindhouse" cativou esse velho coração gelado com 3 horas ininterruptas de diversão, violência, suspense, tripas voando e garotas em trajes sumários (não confundir com "trajes sumérios", encontrados apenas nos filmes do Conan).

O conceito do filme não é genial, mas corajoso: reproduzir uma sessão dupla de drive-in dos anos 1970, em uma homenagem dos diretores (Quentin Tarantino e Robert Rodriguez) a essa grande escola de cinema onde os dois se formaram. Foi nessas sessões noturnas de filmes toscos que ambos aprenderam a ser cineastas, e não em faculdades mercantilistas tão comuns em Hollywood. Segundo a premissa inicial do filme, cada um desses diretores deveria criar um longa-metragem, e ambos seriam exibidos em seqüência, intercalados por vinhetas vintage e traillers falsos, criados por Rodriguez e outros 3 diretores. Basta dizer que o trailler de Rodriguez - "Machete!" - fez tanto sucesso que já está virando filme.

Infelizmente o mercado de cinema é muito burro e a idéia não vingou, então os distribuidores nos fizeram o desfavor de separar os dois filmes e exibi-los independentemente em salas diferentes. No Brasil, por exemplo, o filme de Rodriguez foi lançado antes do de Tarantino. Ridículo, e estragou a obra original - só nos resta esperar que o DVD seja correto!

Mas vamos aos filmes.

"Planet Terror", de Rodriguez, é uma espécie de remake amalucado de "A Volta dos Mortos-Vivos" ("The Return of the Living Dead", 1985, dir. Dan O'Bannon) - que por sua vez já era um spin off do grande clássico "A Noite dos Mortos-Vivos" ("Night of the Living Dead", 1968, dir. George Romero). Tanto em "A Volta" quanto em "Planet Terror", um gás verde que estava sob jurisdição de militares inescrupulosos transforma pacatos cidadãos ordeiros e pagadores de impostos em monstros antropófagos com uma predileção quase gourmet por cérebros humanos.

O filme de Rodriguez é uma bela homenagem ao gênero "zumbi", misturando referências e explorando novas formas de assassinatos criativos. Várias cenas são bastante aflitivas, até mesmo para fãs do gênero - e eu não estou falando apenas de tripas voando. Os atores, razoavelmente desconhecidos (exceto por Bruce Willis e Quentin Tarantino, ambos fazendo pontas como militares nojentos) estão muito bem no filme e dão o clima certo às cenas, caminhando perigosamente na tênue linha que divide o engraçado do ridículo.

"Death Proof", o filme de Tarantino na sessão dupla, é uma homenagem rasgada e emocionante a um gênero importantíssimo para a história dos filmes B: os filmes de carrões. Não estou falando de corridas de Formula Indy, mas sim de carros comuns - desses comprados em lojas - voando baixo através de estradas e rodovias, geralmente perseguidos por policiais e/ou mafiosos. Os próprios personagens do filme fazem questão de citar nominalmente vários representantes do gênero, especialmente o grande clássico "Corrida Contra o Destino" ("Vanishing Point", 1971, dir. Richard C. Sarafian) - que tantas vezes eu assisti no Corujão, nos gloriosos anos de minha infância.

O filme de Tarantino conta a história de quatro garotas que ficam presas em um bar durante uma tempestade, e acabam conhecendo um tal de Stuntman Mike. A partir daí... bom, eu não vou falar mais nada sobre a história porque esse filme é também uma homenagem a Alfred Hitchcock e seu clássico (e filme B, nunca se esqueçam) "Psicose" - e eu não estou me referindo nem a facas, nem a problemas psicanalíticos, nem a referências a Ed Gain, nem a chuveiros, e nem a trilhas sonoras do Bernard Herrmann - embora o toque do celular de uma das garotas do filme seja o tema de "Twisted Nerve", que Tarantino já havia utilizado na trilha sonora de "Kill Bill", e que depois foi remixada em uma versão horrível que toda vez que eu escuto me dá vontade de grumitar.

Como é de costume nos filmes de Tarantino, a trilha sonora de "Death Proof" é sensacional, cheia de músicas obscuras que mereciam um lugar ao sol. Outra característica do diretor que transparece nesse filme é a sua habilidade em desenterrar velhos astros esquecidos do grande público: Kurt Russel está ótimo no papel de Stuntman Mike. Provavelmente é seu melhor papel desde o inesquecível anti-herói Snake Plissken, o protagonista de outro clássico dos filmes B, "Fuga de Nova Iorque" ("Escape From New York", 1981, dir. John Carpenter) - esse eu não via no Corujão, mas sim na Sessão das Dez (na TVS, que depois virou SBT), logo após a Pantera Cor-de-Rosa.

O mais interessante em "Death Proof" é sua capacidade de provocar suspense e emoções em geral. Normalmente, em um filme como esses, você não espera se importar com nenhum dos personagens, e adivinha as falas de todos eles, esperando ansiosamente pelo final óbvio que chega inexorável após 90 minutos de projeção e pipocas. Pois Tarantino quebra vários paradigmas ao criar um filme realmente cativante. O suspense que se constrói lentamente é muito forte, e no final do filme eu me peguei com sentimentos em relação aos personagens que, confesso, não esperava ter. Tarantino faz tudo certo: você simpatiza com as mocinhas, fica com medo dos vilões, ri das piadas, torce muito na perseguição final - e além de tudo isso ele ainda consegue surpreender o espectador sem usar truques sujos. Fazia muito tempo que eu não me sentia assim, emocionalmente manipulado por um filme, e confesso que estava sentindo mais falta dessa sensação do que gostaria de admitir. É o tipo de emoção que só o cinema consegue criar, e que a grande maioria dos diretores não consegue criar - e nesse balaio podemos misturar diretor tão díspares quanto Jean-Luc Godard, Michael Bay e Lars Von Trier, por exemplo.

Resumindo: se você sabe se divertir, e consegue diferenciar filmes B bons de filmes B ruins, "Grindhouse" é um sopro de vida; um oásis de inteligência cinematográfica nesse deserto de idéias, habitado por remakes picaretas e computação gráfica ridícula. Imperdível!

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