Uma das melhores surpresas de 2007, "Grindhouse" cativou esse velho coração gelado com 3 horas ininterruptas de diversão, violência, suspense, tripas voando e garotas em trajes sumários (não confundir com "trajes sumérios", encontrados apenas nos filmes do Conan).
O conceito do filme não é genial, mas corajoso: reproduzir uma sessão dupla de drive-in dos anos 1970, em uma homenagem dos diretores (Quentin Tarantino e Robert Rodriguez) a essa grande escola de cinema onde os dois se formaram. Foi nessas sessões noturnas de filmes toscos que ambos aprenderam a ser cineastas, e não em faculdades mercantilistas tão comuns em Hollywood. Segundo a premissa inicial do filme, cada um desses diretores deveria criar um longa-metragem, e ambos seriam exibidos em seqüência, intercalados por vinhetas vintage e traillers falsos, criados por Rodriguez e outros 3 diretores. Basta dizer que o trailler de Rodriguez - "Machete!" - fez tanto sucesso que já está virando filme.
Infelizmente o mercado de cinema é muito burro e a idéia não vingou, então os distribuidores nos fizeram o desfavor de separar os dois filmes e exibi-los independentemente em salas diferentes. No Brasil, por exemplo, o filme de Rodriguez foi lançado antes do de Tarantino. Ridículo, e estragou a obra original - só nos resta esperar que o DVD seja correto!
Mas vamos aos filmes.
"Planet Terror", de Rodriguez, é uma espécie de remake amalucado de "A Volta dos Mortos-Vivos" ("The Return of the Living Dead", 1985, dir. Dan O'Bannon) - que por sua vez já era um spin off do grande clássico "A Noite dos Mortos-Vivos" ("Night of the Living Dead", 1968, dir. George Romero). Tanto em "A Volta" quanto em "Planet Terror", um gás verde que estava sob jurisdição de militares inescrupulosos transforma pacatos cidadãos ordeiros e pagadores de impostos em monstros antropófagos com uma predileção quase gourmet por cérebros humanos.
O filme de Rodriguez é uma bela homenagem ao gênero "zumbi", misturando referências e explorando novas formas de assassinatos criativos. Várias cenas são bastante aflitivas, até mesmo para fãs do gênero - e eu não estou falando apenas de tripas voando. Os atores, razoavelmente desconhecidos (exceto por Bruce Willis e Quentin Tarantino, ambos fazendo pontas como militares nojentos) estão muito bem no filme e dão o clima certo às cenas, caminhando perigosamente na tênue linha que divide o engraçado do ridículo.
"Death Proof", o filme de Tarantino na sessão dupla, é uma homenagem rasgada e emocionante a um gênero importantíssimo para a história dos filmes B: os filmes de carrões. Não estou falando de corridas de Formula Indy, mas sim de carros comuns - desses comprados em lojas - voando baixo através de estradas e rodovias, geralmente perseguidos por policiais e/ou mafiosos. Os próprios personagens do filme fazem questão de citar nominalmente vários representantes do gênero, especialmente o grande clássico "Corrida Contra o Destino" ("Vanishing Point", 1971, dir. Richard C. Sarafian) - que tantas vezes eu assisti no Corujão, nos gloriosos anos de minha infância.
O filme de Tarantino conta a história de quatro garotas que ficam presas em um bar durante uma tempestade, e acabam conhecendo um tal de Stuntman Mike. A partir daí... bom, eu não vou falar mais nada sobre a história porque esse filme é também uma homenagem a Alfred Hitchcock e seu clássico (e filme B, nunca se esqueçam) "Psicose" - e eu não estou me referindo nem a facas, nem a problemas psicanalíticos, nem a referências a Ed Gain, nem a chuveiros, e nem a trilhas sonoras do Bernard Herrmann - embora o toque do celular de uma das garotas do filme seja o tema de "Twisted Nerve", que Tarantino já havia utilizado na trilha sonora de "Kill Bill", e que depois foi remixada em uma versão horrível que toda vez que eu escuto me dá vontade de grumitar.
Como é de costume nos filmes de Tarantino, a trilha sonora de "Death Proof" é sensacional, cheia de músicas obscuras que mereciam um lugar ao sol. Outra característica do diretor que transparece nesse filme é a sua habilidade em desenterrar velhos astros esquecidos do grande público: Kurt Russel está ótimo no papel de Stuntman Mike. Provavelmente é seu melhor papel desde o inesquecível anti-herói Snake Plissken, o protagonista de outro clássico dos filmes B, "Fuga de Nova Iorque" ("Escape From New York", 1981, dir. John Carpenter) - esse eu não via no Corujão, mas sim na Sessão das Dez (na TVS, que depois virou SBT), logo após a Pantera Cor-de-Rosa.
O mais interessante em "Death Proof" é sua capacidade de provocar suspense e emoções em geral. Normalmente, em um filme como esses, você não espera se importar com nenhum dos personagens, e adivinha as falas de todos eles, esperando ansiosamente pelo final óbvio que chega inexorável após 90 minutos de projeção e pipocas. Pois Tarantino quebra vários paradigmas ao criar um filme realmente cativante. O suspense que se constrói lentamente é muito forte, e no final do filme eu me peguei com sentimentos em relação aos personagens que, confesso, não esperava ter. Tarantino faz tudo certo: você simpatiza com as mocinhas, fica com medo dos vilões, ri das piadas, torce muito na perseguição final - e além de tudo isso ele ainda consegue surpreender o espectador sem usar truques sujos. Fazia muito tempo que eu não me sentia assim, emocionalmente manipulado por um filme, e confesso que estava sentindo mais falta dessa sensação do que gostaria de admitir. É o tipo de emoção que só o cinema consegue criar, e que a grande maioria dos diretores não consegue criar - e nesse balaio podemos misturar diretor tão díspares quanto Jean-Luc Godard, Michael Bay e Lars Von Trier, por exemplo.
Resumindo: se você sabe se divertir, e consegue diferenciar filmes B bons de filmes B ruins, "Grindhouse" é um sopro de vida; um oásis de inteligência cinematográfica nesse deserto de idéias, habitado por remakes picaretas e computação gráfica ridícula. Imperdível!
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
Grindhouse
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
Magnólia
Finalmente, depois de tantos anos, eu assisti ao tão falado "Magnólia". Desde 1999 eu ouvia falar muito bem desse filme, que me foi recomendado pelas mais variadas pessoas, e sempre tive curiosidade de vê-lo para entender o que havia de tão genial em um filme de 3 horas de duração que terminava com uma chuva de sapos e tinha o Tom Cruise no elenco.
3 horas depois, eu descobri: nada.
Não sei quando isso começou, mas parece que de uns 10 anos para cá todos os diretores iniciantes decidiram que o quente mesmo era fazer filmes com múltiplas linhas de tempo. Pegar vários personagens diferentes, e contar suas histórias de maneira embaralhada, para que no final tudo fizesse sentido, mostrando como a sociedade é complexa, que a vida é cheia de surpresas, blá blá blá.
"Magnólia" conta as histórias de várias pessoas: uma viciada em drogas que pensa que o pai a molestou, um policial careta que não consegue namorada, um menino prodígio explorado pelo pai no Show do Milhão, um trouxa que foi explorado da mesma forma nos anos 1960 e agora é só mais um desempregado, um picareta que ensina nerds otários a pegar mulher, um homem velho que trabalhava na TV e que agora está morrendo de câncer, sua esposa maluca que não toma os remédios para depressão e um enfermeiro desastrado que tenta fazer a coisa certa.
Como todas essas histórias se relacionam? É muito simples: um é casasdo com o outro, o outro é pai do outro, X comeu Y, fulaninho dormiu com não sei quem, e no final do filme tem uma chuva de sapos.
Não. É sério. No final do filme tem uma chuva de sapos.
E os personagens? Bom, os personagens são só um bando de pobres coitados precisando urgentemente de terapia. Só isso. Eles não são interessantes, não têm nenhum mistério, e não têm nada de interessante para dizer. Exceto talvez pelo velho, que faz um discurso interessante sobre arrependimento quando está prestes a morrer.
A culpa não é dos atores, que de maneira geral estão todos muito bem no filme. Até mesmo o Tom Cruise. Julianne Moore já se tornou especialista em mulheres frágeis e desesperadas com depressão clínica e tendências suicidas. Alfred Molina, irreconhecível, faz uma boa ponta como Solomon Solomon. William H. Macy, Melora Walters e John C. Reilley também estão bem. E Jason Robards, que deve ter uns 40 anos de carreira a mais do que todos esses outros atores, dá um banho de atuação como o moribundo Earl Partridge. Ele passa o filme inteiro deitado na cama, dormindo em metade das cenas, e mesmo assim é a melhor coisa do filme.
O que me decepcionou em "Magnólia" foi ver que um diretor potencialmente bom gastou um filme enorme tentando ser genial e só conseguiu fazer um filminho chato. O roteiro, que aparentemente esbarra em vários assuntos delicados, acaba por não se aprofundar em nenhum deles. Começa e termina com uma baboseira qualquer sobre coisas estranhas acontecerem, e usa algumas famosas lendas urbanas totalmente fantasiosas como exemplo. E no final joga uma chuva de sapos para fingir que é um clímax ou algo do tipo. Mas é só um monte de sapos caindo do céu. Não tem nenhuma epifania nisso.
Acho difícil comparar esse filme com algum outro, mas vamos tentar: em termos de "filmes complexos cheios de relações inter-pessoais", eu diria que "Corra, Lola, Corra" é muito mais bem sucedido do que Magnólia. Funciona melhor, é mais redondinho, e as relações entre os personagens são mais significativas. Aquela doideira toda da edição e da história funcionam muito bem e têm algo a dizer.
Outro filme que me veio à memória foi "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", por causa dessa necessidade que "Magnólia" tem de a todo momento reafirmar que o mundo é um lugar mágico onde coisas estranhas acontecem. Amélie resolve essa "questão" com maestria e realmente chega em algum lugar - sem chuva de sapo, sem Tom Cruise, e com uma trilha sonora interessante.
Outra coisa: por que diabos o filme se chama "Magnólia"? Em todos os cômodos dos cenários aparece um quadro de uma magnólia pendurado na parede. E daí? Eu só reparei isso porque li em algum artigo. Por mim o filme poderia se chamar "Chuva de Sapos" ou "A Vida É Uma Confusão". Ia dar na mesma. Por que não "Petúnia" ou "Girassol"?
Resumindo: Um filme chato e pretensioso que não chega a lugar nenhum, e ainda usa um truque sujo para resolver a história. Alguém por favor pague um curso de roteiro pra esse menino. Tragam as sandálias da humildade para ele!
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
O Prazer Doloroso do Senso Crítico
Desde criança todo mundo sempre me achou chato. Não aquele chato de festa, que fica perguntando se o pavê é para ver ou para comer. Mas aquele chato velho, ranzinza, que não gosta de nada. Pelo menos posso dizer em minha defesa que nunca, a não ser em algumas fases mais extremas da minha aborrescência, fui daqueles chatos que ficam impondo sua opinião sobre os demais. Pelo contrário: sempre fui quieto no meu canto, e adepto fervoroso da filosofia do “viva e deixe se foder”.
Obviamente, quando uso a palavra “chato”, estou senso irônico. Essa foi a palavra que usaram para me definir tantas vezes. Eu, aqui do meu lado, prefiro outra: crítico. Essa palavra também já foi usada muitas vezes como ofensa a alguém, e eu acho isso um problema muito sério. Porque o crítico, em sua essência, não é um chato. É um analista.
A palavra “crítico” vem do grego κριτικός (kritikós) - aquele que discerne, que por sua vez veio do grego antigo κριτής (krités) significando uma pessoa que oferece um julgamento ou análise, julgamento de valores, interpretação ou observação.
Faz parte da minha profissão ver milhares de filmes e analisá-los criticamente, de vários pontos de vista. Não sou desses críticos pop que assistem a todos os filmes que saem no cinema e depois se limitam a comentar “gostei / não gostei”, e tampouco sou daqueles chatos de gola rolê que ficam nos cafés na porta dos cinemas falando abobrinhas sobre o cinema iraniano ou morrendo de saudades do Glauber Rocha e da Greta Garbo. Me posiciono como um pesquisador acadêmico, com várias linhas de pesquisa, que trata o cinema como um todo, sem gavetinhas nem pose de nada. Não me visto como um crítico de cinema, não escrevo como um, e não concordo com a maioria deles. Tenho minhas próprias opiniões, e terei prazer em compartilhá-las com os amigos leitores, mesmo que isso me custe algumas amizades.
Sejam bem-vindos.