Eu tinha 7 anos de idade quando vi esse filme pela primeira vez. Nunca comprei uma moto nem usei adereços nazistas para chocar a sociedade, mas o impacto de ver Peter Fonda de jaqueta de couro e óculos aviator discutindo com um padre e questionando o papel da sociedade e da religião deixou marcas indeléveis na minha mente. Acho que foi nessa madrugada, vendo filmes escondido de meus pais na extinta TV Manchete, que perdi minha inocência e tornei-me um homem.
Hoje, 22 anos depois, o filme não parece mais tão assustador quanto naquela época, mas ainda guarda boas surpresas. Segundo o próprio Fonda, o germe de "Easy Rider" já estava aqui, e foi inspirado por esse filme que ele escreveu o roteiro do filme de motoqueiros definitivo, aquele que retratou com fidelidade a desilusão e o lado sombrio dos anos 1960. Enquanto Nova York curtia Woodstock, a California tinha Altamont. The Wild Angels e Easy Rider são retratos dessa outra realidade.
A história do filme é simples: os Hells Angels de San Pedro vão até o México recuperar a moto de um deles que havia sido roubada. Há uma briga em uma oficina mecânica, que chama a atenção da polícia. Na fuga, o motoqueiro Loser (Bruce Dern), amigo do líder da gangue, Blues (Fonda), foge na moto de um dos policiais. O outro tira o persegue pela estrada, e atira em suas costas. Levado o hospital, Loser é resgatado por seus companheiros, mas acaba morrendo no esconderijo praiano da gangue. Seu corpo é levado até a cidade onde ele nasceu, a bucólica e arborizada Sequoia Groves. Em um caixão ornado por uma bandeira nazista, Loser é velado, e um padre é chamado para fazer o serviço. Quando ele começa a falar sobre Deus e a vida, Blues se levanta e questiona o que ele diz. Começa então uma grande festa na igreja, com tudo que uma orgia de motoqueiros tinha direito nos anos 1960: congas, surf music, bebidas, estupros, e dancinhas malucas. Eles então levam o corpo de Loser até um cemitério para finalmente enterrá-lo, mas são seguidos por uma multidão de curiosos. Começa uma briga, e os motoqueiros fogem quando ouvem a sirene da polícia. A namorada de Blues pede a ele que fuja com ela, mas ele responde: "Não há para onde ir". As motos fogem pela floresta enquanto a polícia chega, e Blues se resigna a pegar uma pá e começar a enterrar o amigo morto.
Comportado para os padrões hollywoodianos de nossa época, o filme provocou muita polêmica quando de seu lançamento -uma especialidade de seu diretor e produtor, o lendário Roger Corman. Proibido no Reino Unido, só foi lançado na ilha da rainha em 1971, com severos cortes. Nos EUA, Corman foi processado pelos próprios Hells Angels, que o acusaram de ter feito uma imagem distorcida do grupo.
O destaque da história fica por conta da relação "amorosa" entre Blues e sua namorada Mike (Nancy Sinatra). Depois da morte de Loser, Blues torna-se melancólico e distante. Esse clima do personagem vai ser posteriormente a semente de Capitain America em Easy Rider.
A trilha sonora tem alguns bons momentos, nas mãos do lendário (para mim) Davie Allan e sua banda The Arrows, especialmente no hit "Blues' Theme". O single chegou ao número 37 da parada da Billboard, onde permaneceu por 17 semanas. Foi a primeira música que Eddie Van Halen aprendeu a tocar na guitarra.
Fiquei reparando na trilha e vendo como em 1966 ainda era absurdo pensar em distorção. Nas cenas mais loucas, onde os motoqueiros quebram tudo, a música parece uma versão instrumental de alguma música dos Beach Boys com bongôs e congas. Aliás as congas aparecem nesse e em vários outros filmes da época como um símbolo de pura selvageria. Vai entender. 3 anos depois, a trilha de Easy Rider já seria completamente diferente, misturando folk, country, psicodelia, overdrive e fuzz.
Quanto à iconografia nazista, os motoqueiros dessas gangues usavam esses símbolos para chocar as pessoas. Até onde constam os alfarrábios, nenhuma dessas gangues tinha qualquer espécie de envolvimento com política ou ideologias, e só queria saber de curtir, beber, transar, fumar maconha, e pilotar as máquinas. No começo do filme um homem diz "nós costumávamos matar caras que usavam essas coisas", ao que os motoqueiros respondem... nada. A origem disso deve estar no fato de que essas gangues da California nasceram logo após o fim da II Guerra Mundial, quando os soldados que voltaram bastante perturbados do front se recusavam a se misturar na sociedade, preferindo ficar de fora do esquema e curtir sua depressão em paz.
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
"The Wild Angels" (1966, dir. Roger Corman)
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
"Vá e Veja" (1985)
Até hoje, "Vá e Veja" era apenas um título na minha memória. Quando esse filme foi lançado, em meados dos anos 1980, eu era apenas uma criança, e não estava preparado para compreender nada do que ele significava. A censura não me permitiria vê-lo, talvez por causa das cenas de violência, talvez por causa das cenas de verdade.
O filme de Elem Klimov é passado na Bielorrússia, na véspera da invasão do território pelos soldados alemães na II Guerra Mundial. No filme, acompanhamos a trajetória do menino Florya Gaishun, que abandona a família para se juntar à guerrilha de resistência de sua pequena aldeia na zona rural. Os alemães atacam, e Florya se perde do grupo.
Estrategicamente, o filme se concentra em apenas um garoto, e em apenas um vilarejo para contar sua história. Depois de nos fazer compreender o que significou todo o horror daqueles eventos, um letreiro no final nos informa que o que acabamos de testemunhar ocorreu não uma, mas centenas de vezes naquele país. A Bielorrúsia é a fronteira lesta da Polônia, e era a principal porta de entrada dos alemães rumo à União Soviética. O país ficou sob o domínio dos nazistas entre 1941 e 1944. Nesse período, os alemães destruíram 209 das 290 cidades do país, e destruíram mais de 600 vilarejos rurais. Os nazistas também destruíram 85% das indústrias emais de um milhão de edifícios, causando perdas humanas estimadas entre 2 e 3 milhões de pessoas (de 1/4 a 1/3 da população total do país).
É sempre interessante ver um filme de II Guerra que não conte apenas o ponto de vista dos estadunidenses ou dos ingleses. A história é sempre contada do lado dos vencedores, e dificilmente temos a oportunidade de ver um filme sobre os massacrados da guerra. Geralmente o que vemos são heróis bem armados e em veículos bonitos, esbanjando coragem e inteligência. Poucas pessoas fazem filmes sobre o verdadeiro horror da guerra.
Um dos poucos que se dedicam a isso em nossos tempos, e que certamente é um fã de carteirinha de "Vá e Veja" é Steven Spielberg, que certamente se inspirou nesse filme para "O Resgate do Soldado Ryan", mais especificamente na famosa seqüência inicial.
Depois disso tudo, o título do filme permace de certa forma misterioso. A frase "vá e veja" não é dita hora nenhuma no filme - é praticamente uma mensagem direta do diretor ao espectador, declarando abertamente o seu objetivo ao fazer esse filme.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
"Devil's Angels"
Acordei num puta mau humor, com jet-lag de horário de verão, telefone tocando, interfone, o diabo. Voltei pra cama por volta das 9 da manhã - isso é o que dizia o relógio, na verdade eram só 08:00 - e liguei a TV para ver se espantava os maus espíritos.
Foi quando vi no Telecine Cult os créditos iniciais de "Devil's Angels" (1967), produzido por Roger "Nunca Dei Prejuízo" Corman e estrelado por John "Faces" Cassavettes.
É um filme de motoqueiros na linha de "The Wild One" com o imortal Brando, e que na minha cabeça faz dupla com outro filme de Corman com Angels no título: "Wild Angels", de 1968, estrelado por Peter Fonda, que já tinha trabalhado com Corman em "The Trip". Esses dois filmes inspiraram Fonda a escrever "Easy Rider".
Quatro filmes de motoqueiros com uma coisa em comum: retratar, bem ou mal, os niilistas e pós-existencialistas não-intelectuais dos Estados Unidos de meados do século XX. São filmes que nos recordam que até mesmo os incultos têm o direito de não acreditar em nada - e que por isso mesmo serão sempre perseguidos até a morte pela polícia e pela igreja.
Trilha sonora memorável de Davie Allan & the Arrows.
Beverly Adams parece um sonho como Lynn, a namorada de Cody (Cassavettes) - ela é a gostosa Cassandra de "Como Encher Um Biquíni Selvagem".