domingo, 31 de agosto de 2008

Com apenas 1 ano de atraso... Oscar 2007!

Assisti recentemente a dois filmes que concorreram ao Oscar 2007. De todos os filmes que concorreram naquele ano, eram dois dos únicos poucos que eu fiquei com vontade de ver algum dia.

Dreamgirls (2006, dir. Bill Condon)

Dreamgirls é baseado em um musical da Broadway dos anos 1980. Se eu soubesse disso antes, jamais teria perdido meu tempo vendo o filme. Mas já que a ignorância nos fazer as coisas mais loucas, acabei encarando as três horas de duração do filme. Na verdade são apenas 130 minutos, mas parecem mais.

O problema básico do filme é que o roteiro e a edição foram feitos tendo em mente o público adulto feminino estadunidense, ou seja: muito detalhe e cuidado nas roupas e nas cenas de amor, e absolutamente nenhum compromisso com a verdade, fatos históricos, ou alguma espécie de estrutura narrativa. Em resumo, é um filme de emoções baratas e músicas ruins, que estragam o que poderia ter sido um épico musical dos mais interessantes. A história, baseada mal e porcamente na trajetória da gravadora Motown, é uma picaretagem danada que mistura biografias reais com fatos misturados, deixando os "inspiradores" do texto com o filme sujo na praça.

A Dreamworks, produtora do filme, afirma veementemente que o roteiro é totalmente ficcional, e se recusa a admitir o óbvio: Curtis é Berry Gordy, as Dreamettes são as Supremes, C.C. é Smokey Robinson, e o personagem de Eddie Murphy é uma mistura de Jackie Wilson com Marvin Gaye.

O maior problema do filme é que nenhum desses talentos da vida real aparece realmente nos filmes. Nos contemporâneos "Way" e "Walk the Line" você ouve as músicas originais, e elas são excelentes, capazes de salvar qualquer roteiro ruim ou edição picareta. As músicas de "Dreamgirls" são apenas musiquinhas medíocres da Broadway, e as cantoras principais cantam se esgoelando o tempo todo, como se estivessem competindo por uma medalha de ouro. Elas fazem tanta força para modular a voz o máximo de vezes possível em cada sílaba da letra que a gente fica até sem fôlego. E quando você faz um filme musical onde o seu melhor cantor é o Eddie Murphy, é sinal de problemas.



No Country For Old Men (2007, dir. Joel Coen & Ethan Coen)

Sempre um oásis no grande deserto que se tornou o cinema estadunidense, os irmãos Coen fabricam dois tipos diferentes de filmes: aqueles que eles são pagos para fazer, e aqueles em que eles realmente se concentram. É fácil perceber qual é qual só de assistir os filmes ou de ver a lista de atores. E esse é um dos "bons".

A maior crítica que eu ouvi a esse filme foi a de que o final é aberto e não explica nada. Aparentemente, as pessoas acham que, se o filme não termina com uma perseguição em alta velocidade e um bandido sendo preso ou morto, o final é aberto. Não é bem assim que funciona.

Eu já atingi um zen cinematográfico tão elevado que para mim até mesmo o final de "Blow Up" é fechado o suficiente para me satisfazer. Pois o final de "No Country For Old Men" é bastante adequado. O filme não conta a história de um policial que persegue um bandido. Ele é uma reflexão sobre a profissão de policial, a natureza do crime, e várias outras coisas que não podem ser resolvidas com tiroteios e explosões.

Sempre bebendo na fonte do mestre Hitchcock, os irmãos Coen criam nesse filme um McGuffin clássico: uma mala cheia de dinheiro, encontrada por um caipirão meio cowboy. Ele a encontra no meio de um monte de traficantes mortos, e pega o dinheiro para tentar melhorar de vida com sua esposa. Surge em cena um assassino profissional que começa a persegui-lo, e cria-se então um triângulo dramático entre o assassino e seus contratantes, o homem com a mala cheia de dinheiro, e um xerife que persegue o assassino por causa de outros crimes, e tenta ajudar o homem da mala.

O que acontece nesse imbroglio todo eu não posso contar senão estraga o filme, mas preciso reafirmar que o final não é nada aberto. Ele é apenas real demais para satisfazer o público mais ingênuo. As pessoas esperam que um filme funcione como uma luta livre encenada, onde o bom vence o mau e a justiça sempre triunfa. Acontece que a vida real não é assim. Ela é fragmentada, não-linear, e depende muito mais das ações das pessoas do que de conceitos como justiça, verdade, pureza, honra, glória e outras baboseiras. Se no final desse filme você ficar frustrado porque o vilão não morreu nem foi preso, você não entendeu nada. Volte para o começo e tente novamente. Ou então assista "Zodiac", do David Fincher.



Vou fechar esse comentário com uma citação que vem bem a calhar, e que tem me ajudo muito a compreender o vastíssimo e complicado universo do cinema:

"A realidade é mais estranha do que a ficção,
porque a ficção precisa ter algum sentido."
- Mark Twain

3 comentários:

Nicolau disse...

Esse filme é muito bom. Andei cabreiro com os irmãos Cohen recentemente, mas esse filme foi a redenção.

Talvez o filme seja tão "aberto" quanto é o universo que ele retrata...

r.m. disse...

não é que seja aberto, mas ele parece perder o ritmo no fim.

I.:.S.:. disse...

é, o filme é tão aberto quanto a vida, e é por isso mesmo que é um filme incomum...

tambem concordo com r.w um pouco, fiquei um pouco descontente quando o vi a primeira vez, mas isso porque nos estamos tão acostumados àos narativos coerentes em filmes... mas a vida é coerente poucas vezes...