quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
Across the Universe
Mantendo o espírito crítico (e sarcástico) deste mavioso blog, decidi escrever uma resenha de um filme que eu, literalmente, não vi e não gostei. Trata-se da mais nova picaretagem do gênero beatlesplotation, "Across the Universe", uma historinha de amor montada a partir das letras das músicas dos Beatles.
Esse tipo de obra criada a partir de referências óbvias e outra(s) é uma faca de dois legumes. No caso dos Beatles, é algo tão criativo, inovador, interessante e arriscado quanto fazer uma propaganda com criancinhas fofas ou filhotes de cachorro. Ou fazer um comercial de margarina mostrando uma família tomando café-da-manhã ou qualquer coisa do tipo. Enfim, é de uma preguiça ignominável: gostar de Beatles é mais ou menos como gostar de pizza ou de chocolate, uma coisa tão óbvia e generalizada que nem vale a pena citar. Todo mundo se acha fã de Beatles, e pronto.
E então quando alguém, mais uma vez, resolve se aproveitar das músicas dos Beatles para criar uma outra obra artística que não acrescenta nada, isso me dá dor de barriga por dois motivos: primeiro, pela falta de colhões do criador em fazer uma obra que venha de dentro dele, ao invés de fazer um trabalho puramente inspirado pelo trabalho de um outro artista, especialmente se esse outro artista é um lugar comum tão grande quanto os reis do yeah yeah yeah. Segundo pela falta de criatividade. Por que diabos todo mundo sempre faz esse tipo de filme com os Beatles? Só com eles. Existem dezenas de outras bandas e cantores cujas obras dariam excelentes pontos de partida para filmes. Não é o conceito da releitura que esses artistas buscam, mas sim a obviedade, a aposta certa, o máximo de lucro com o mínimo de risco ou esforço.
Todo mundo sabe que a imensa maioria dos produtores culturais só apostam no óbvio ululante e no (que eles acreditam ser) garantido. Vamos mudar de mídia e de forma de arte para provar o meu ponto: o circo mais lugar-comum e pseudo-criativo do mundo, o Cirque du Soleil - aquele que veio ao Brasil patrocinado pelo Bradesco, mas através de leis de incentivo do governo federal - fez um "espetáculo" inteiro só com músicas dos Beatles. Dá pra ser mais lugar comum do que isso? O Cirque du Soleil... e os Beatles. Eu também não vi e, obviamente, não gostei, mas tenho certeza que é mais um festival de abobrinhas costuradas por acrobacias e malabarismos, jogos de luzes, e outras diversões que suspendem o senso crítico dos observadores durante 90 minutos, breve em DVD.
E não vamos nos esquecer do famosíssimo episódio das Meninas Superpoderosas que é todo feito com músicas dos Beatles. Claro que com a dublagem em português a piada ficou muito mais críptica do que no original, mas mesmo todos os fãs de Beatles a-do-ra-ram esse episódio. Por que? Porque falava dos Beatles. Mas e daí? Não sei. Não importa. Eu entendi a piada. Eu sou especial.
Quanto mais o tempo passa, mais eu fico com o saco cheio desses medalhões culturais que todo mundo adora sem entender por que. Não é nem para ser do contra: é que eu sinto que era pra ter muito mais ali do que realmente tem. Todo mundo que se diz fã dos Beatles só gosta na verdade de umas 10 ou 20 músicas. São sempre as mesmas que aparecem em todo lugar. Sempre as baladinhas, as bonitinhas, as que têm violãozinho.
Vamos fazer um teste? Comparem a lista de músicas do espetáculo "Love" do Cirque du Soleil com a lista de músicas do filme "Across the Universe". São 18 músicas repetidas. De zoi to. Os Beatles lançaram 14 discos, fora os lados B de singles. Cada um tinha em média umas 12 músicas. Isso dá um total de 168 músicas. Dentre 168 músicas, os diretores do filme e do circo escolheram 18 músicas repetidas.
Falta de criatividade? Preguiça de pesquisar? Ou só mediocridade mesmo? Tanto faz.
Se vocês acham que estou exagerando, permitam-me lembrar-lhes de um "clássico" esquecido do gênero beatlesploitation: um filme baseado no Sargent Peppers, com os Bee Gees e o Peter Frampton nos papéis principais. Na trilha, além dos supra-citados, outros grandes nome da farofa dos anos 1970, como Aerosmith e Alice Cooper. Palpitante, hein?
Se você realmente gosta dos Beatles, sugiro que se atenha aos verdadeiros clássicos do gênero: "A Hard Day´s Night", uma ótima comédia maluca que influenciou todo mundo, tanto bandas quanto comediantes (o Monty Python por exemplo), e a cinebiografia "Backbeat", que tem uma trilha sonora sensacional, talvez a única que faça jus ao quarteto de Liverpool (ou octeto, se nos lembrarmos do papel fundamental que pessoas como Billy Preston, George Martin, Stuart Sutcliff e Pete Best tiveram na trajetória da banda). "Magical Mistery Tour" e "Yellow Submarine"? Oh, já chega de dor por hoje...
Bom. No fim das contas, o amor que você leva é igual ao amor que vocês faz. Por que não fazê-lo na estrada? Nunca se sabe o dia de amanhã...